Quando se discute a relação entre o consumo de bebidas alcoólicas e o risco cardiovascular , podemos dizer que o terreno é fértil em evidências e também cheio de controvérsias.
Primeiramente devemos pontuar que o exagero no consumo de álcool não afeta apenas nosso coração, outros problemas podem ser decorrentes deste hábito , como doenças do fígado, câncer e tuberculose.
No entanto, alguns pesquisadores seguem uma linha diferente, defendendo de forma acirrada que existem efeitos protetores do álcool, em pequenas e médias quantidades, para saúde cardiovascular e para diabetes tipo 2. Mas, afinal, quando surgiu esta história de efeitos protetores do álcool?
Voltando no tempo, por volta de 1926, o francês Raymond Perl relacionou o consumo moderado de bebidas alcoólicas com maior tempo de vida das pessoas, ou seja, as pessoas pareciam desfrutar de uma longevidade mais relevante. Em 1992, esta semente conceitual plantada por Raymond passou a figurar no meio científico como o “ paradoxo francês”, no qual a incidência de entupimento das artérias do coração era menor em pessoas que consumiam especialmente quantidades moderadas de vinho tinto.
Desde a década de 90, vários estudos realizados na Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos, continuaram confirmando estes efeitos protetores do álcool, sendo até enfáticos em afirmar que cerca de 8-14 copos de vinho ou cerveja, por semana, poderiam prevenir doenças cardiovasculares, como infarto do coração e derrame cerebral.
Com o tempo, o lado do amor começou a conviver com o lado do ódio, pois algumas evidências negativas começaram a se destacar. Os efeitos protetores do álcool não foram evidenciados em caso de arritmias do coração, ao contrário, notou-se que quantidades moderadas de álcool podem induzir e agravar um tipo frequente de arritmia chamado fibrilação atrial. Este tipo de arritmia representa um importante fator de risco para tromboses e derrame cerebral. Quem tem este tipo de arritmia, geralmente convive com a necessidade de afinar o sangue por meio de anticoagulantes, podendo ocorrer, como efeito colateral, hemorragias em várias partes do corpo.
Desta forma, diante desta relação de amor e ódio, vamos para nossa rodada de perguntas e respostas, para trazer dicas essenciais sobre este tema tão discutido. Ao final , quero pedir aos leitores que deixem seus comentários e observações sobre o assunto.
1. Existe relação entre consumo de álcool, risco cardiovascular e idade?
Sim, estudos recentes apontam que pessoas entre 15-39 anos não se beneficiam do consumo de álcool; ao contrário, podem desenvolver diversas complicações, não somente cardiovasculares. Nas pessoas com 40 anos ou mais, pequenas quantidades de álcool poderiam reduzir o risco de infarto do coração, derrame cerebral e diabetes tipo 2.
2. Há diferenças entre vinho branco e vinho tinto, do ponto de vista da proteção cardiovascular?
Esta é uma questão interessantíssima, pois ambos os vinhos apresentam propriedades benéficas mas muito direcionadas. Explicando melhor, o vinho tinto contém 10 vezes mais fenóis em sua composição, como a quercetina e o resveratrol, favorecendo a elevação do colesterol bom, conhecido como HDL. O vinho branco exerce um papel positivo no controle dos níveis de açúcar no sangue, facilitando as ações da insulina.
3. Qual a relação entre estilo de vida e o consumo de álcool?
Alguns estudos trazem uma constatação muito chamativa: as pessoas que consomem álcool com moderação são, em geral, mais praticantes de atividade física, não são fumantes, controlam mais assiduamente seu peso, ingerem grande quantidade de vegetais e pouca carne vermelha.
4. Qual o impacto do consumo exagerado de álcool na pressão arterial?
Quanto a esta questão, as evidências são muito fortes em demonstrar um aumento exponencial da pressão arterial, ou seja, excesso de álcool gera excesso de pressão arterial.
5. Existe diferença entre bebidas alcoólicas fermentadas e as destiladas, do ponto de vista dos efeitos protetores?
Sim, aliás uma diferença muito clara.
As bebidas fermentadas como vinho e cerveja são aquelas que podem agregar efeitos protetores, visto que são ricas em vitaminas e antioxidantes. As bebidas destiladas, como whisky e vodka são altamente calóricas e seu consumo está mais relacionado a questões culturais e de prazer pessoal.
Tudo em excesso obviamente faz mal, não sendo diferente em relação ao consumo de bebidas alcoólicas. Em situações muito bem planejadas e controladas, pequenas ou moderadas quantidades de álcool podem auxiliar na prevenção de doenças cardiovasculares, como infarto cardíaco e derrame cerebral. Isto não significa que devemos generalizar este hábito sem um respaldo médico adequado, até porque existe risco de arritmias cardíacas após o consumo de álcool e, além disto, os efeitos protetores do álcool são melhor observados após os 40 anos de idade.
Enfim, numa relação de amor e ódio como esta, quem ganha é o que menos importa, pois o mais importante é conviver com os fatos concretos, entender qual seria a melhor estratégia para cada pessoa, considerando estilo de vida e objetivos. Afirmar que o consumo de álcool é protetor para saúde cardiovascular é algo sempre muito delicado, exige muita ponderação e, sobretudo, compreensão exata acerca das evidências científicas.
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